Lições de culinária

A nutricionista do Hospital Santa Cruz conta o que aprendeu sobre a cozinha japonesa após um programa de imersão no Japão

“Por incrível que pareça, o prato da culinária japonesa mais difícil de preparar é o arroz.” E Solange Leal Garcia, supervisora do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital Santa Cruz, diz isso com conhecimento de causa: além de trabalhar há 17 anos no Hospital, em contato direto com a comunidade nikkei da cidade, ela esteve recentemente no Japão para uma imersão de quatro semanas nos segredos da cozinha local. O objetivo: buscar o que há de mais saudável na comida japonesa e implantá-lo no menu do Hospital Santa Cruz. 

O curso é parte de um programa de treinamento promovido desde 1971 pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). O programa visa o aperfeiçoamento de profissionais que desempenham um papel de liderança na parceria com o Japão e a comunidade nikkei na América Latina. Diversos médicos do corpo clínico do Hospital Santa Cruz já participaram do programa, mas é a primeira vez que ele ocorre no âmbito da nutrição – uma iniciativa do Dr. Koshiro Nishikuni que culminou com o envio de sete nutricionistas de hospitais nikkeis de todo o Brasil ao Hospital Universitário de Kyushu, em Fukuoka.


solange esteve recentemente no Japão para uma imersão de quatro semanas nos segredos da cozinha local


A primeira constatação: no Japão, o prato principal é o arroz. “Ele está em todas as refeições”, conta Solange. É um arroz mais proteico que o nosso, o que explica o fato dos japoneses terem sobrevivido por muitas gerações quase que apenas à base de uma combinação de arroz, caldo e legumes. Segundo a nutricionista, um reflexo da escassez que marcou o Japão nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, mas que acabou de algum modo fortalecendo a população. 

 As novas gerações já não são tão frugais: o enriquecimento do país nas últimas décadas se refletiu no acréscimo de boas fontes de proteína: peixe em primeiro lugar, o de maior consumo, seguido de porco, frango e, por fim, carne vermelha. Mas o arroz continua lá, na mesa de todos os japoneses.

“No Japão, existe todo um ritual na hora de fazer o arroz”, diz Solange. Tudo é levado muito a sério, com o máximo de cuidado: a maneira de lavar, o tempo de espera para o cozimento e até o modo de prepará-lo de acordo com a estação do ano. E o mais interessante: o arroz japonês puro, o chamado gohan, não leva mais do que água em seu preparo. Nem mesmo sal. 

Outro ingrediente da cozinha japonesa que Solange descobriu ser de importância crucial é o dashi, o caldo à base de algas, cogumelos ou peixe seco, que serve para temperar a comida e também como meio de cozimento. Além de ser muito mais saudável que nossos caldos prontos, pois o Japão é muito rígido com o acréscimo de aditivos químicos aos alimentos, o dashi é rico em glutamato, uma proteína que também é um neurotransmissor responsável pela capacidade de armazenamento de informações no cérebro. 


O índice de obesidade na população japonesa é de 3%. No Brasil é de quase 20%


E aí estão duas mudanças que os pacientes que optarem pelo cardápio japonês do Hospital Santa Cruz vão notar. Uma é que, ao voltar do Japão, Solange decidiu estender o uso do dashi como meio de cozimento para além do missoshiru, como era o habitual. A outra mudança está no arroz, que a nutricionista passará a preparar conforme o ritual japonês. “Os pacientes notarão a diferença na palatabilidade.”  

Como estamos no Brasil, e mesmo os nikkeis daqui já estão acostumados a outro tipo de dieta, Solange deixa claro que não diminuirá a carga proteica da comida servida aos pacientes. Mas diz que muito do que aprendeu por lá pode ser aplicado na cozinha do Hospital Santa Cruz. Uma coisa é a redução da gordura: “A cozinha japonesa quase não tem frituras, e mesmo o tempurá lá não é encharcado de óleo, por causa da técnica de preparo”.

O conceito de porcionamento é outro que vale a pena aplicar, pois se traduz em maior saciedade. Na culinária japonesa, o costume é servir a refeição em pequenas porções acomodadas em pratos e tigelas (chawan) separadas. Isso, segundo a nutricionista, favorece que se consuma a medida exata de comida, sem se empanturrar. Outra coisa é o desperdício, que no Japão é quase zero. Solange conta que, na cozinha do Hospital Santa Cruz, já é costume buscar a otimização do uso de um ingrediente, mas que, conforme viu no Japão, sempre é possível aperfeiçoar. “Até a água usada para cozinhar o espinafre.”

Chawan Mushi (rendimento: 4 porções)

Ingredientes

  • 180 ml de dashi de shitake
  • 150 ml de água quente
  • 1 colher (sopa) de hondashi
  • 1 colher (café) de shoyu claro
  • 1 pitada de sal
  • 2 ovos 
  • 150 g de peito de frango, peixe ou camarão em cubos (cru) n 60 g de shitake fatiado, acelga ou cenoura ou vagem

Modo de preparo:

1. Forrar o fundo do chawan com os ingredientes sólidos. Reservar.
2. Misturar o dashi, a água quente, o hondashi, o shoyu e o sal. Reservar.
3. Bater os ovos com o hashi (par de pauzinhos usado como talheres no Japão) até ficarem homogêneos e misturar aos demais ingredientes. Coar e colocar nos chawans.
4. Levar ao forno combinado, função vapor por 15 minutos, ou em banho-maria. 
5. Servir em seguida.

Para o dashi de shitake: deixar, com 12 horas de antecedência, 20 g de shitake seco imerso em 500 ml de água. Armazenar em refrigerador. Retirar o shitake, fatiar e utilizar na receita, conforme descrito acima.

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