A alimentação como fonte de saúde

Um dos segredos da longevidade saudável dos japoneses está no que eles comem

Se há algo de notável na culinária japonesa é a alta funcionalidade de seus ingredientes. Não bastasse o sabor e a beleza dos pratos tradicionais do Japão, tudo parece ter sido pensado do ponto de vista da saúde. Não por acaso, o país figura no alto do ranking mundial de expectativa de vida – precisamente no primeiro lugar, com idade média de 85 anos. Sem contar os centenários: hoje, no Japão, existem quase 70 mil pessoas vivendo acima dos cem anos. O quanto dessa longevidade com qualidade vem do que eles comem? Os estudos garantem que muito.  

Veja, por exemplo, aquele que é o tripé da dieta tradicional nipônica: arroz, peixe e vegetais. Uma combinação perfeita, saborosa e altamente nutritiva. O arroz é a base: alimento de fácil digestão, pouco alergênico e rico em sais minerais, ele é a fonte diária de carboidrato na vida dessa população (substituída eventualmente pelos macarrões, como o lámen, o udon e o sobá). Tanto que a palavra local para o grão, gohan, é também usada como sinônimo de refeição. De fato, nas refeições tradicionais da culinária local, quase sempre o arroz é o prato principal. Os demais itens serão sempre okazu, acompanhamentos. 

E que belos acompanhamentos. A começar pelos peixes de água salgada, de onde vem boa parte da proteína animal consumida pelos japoneses. Salmão, atum e cavala são os peixes preferidos ali, os três ricos em selênio, iodo e, sobretudo, ácidos graxos do tipo ômega 3, bons contra as infecções e para prevenir doenças cardiovasculares. Do mar também vêm as algas, ingredientes versáteis que têm o poder de levar à mesa os minerais que absorvem da água do oceano, entre eles cálcio, ferro e iodo. Além disso, elas contêm aminoácidos essenciais e vitaminas como A, C, E e B12.


O tripé da dieta tradicional nipônica: arroz, peixe e vegetais. Uma combinação perfeita, saborosa e altamente nutritiva


Quanto aos vegetais, são eles os responsáveis por encher de fibras o dia a dia alimentar dos japoneses. São muito comuns as raízes, incluindo tubérculos como o cará – rico em carboidrato e vitaminas do complexo B – , além do inhame e do nabo, que atuam diretamente no sistema digestivo, facilitando a digestão, e mais as variedades locais de caules subterrâneos, como o do lótus e o da bardana, esta fortemente depurativa. Outro exemplo é o gengibre, usado na forma de gari (conserva com açúcar e vinagre) para limpar o paladar entre um prato e outro. Mas a verdade é que ele limpa muito mais: graças ao gingerol, o gengibre é um excelente anti-inflamatório, antimicrobiano, antioxidante, protetor do fígado e ainda ajuda a reduzir as taxas de glicemia e de colesterol. 

Muito importantes também são os cogumelos e a soja, grandes fontes adicionais de proteína. Os primeiros, entre eles o shimeji e o shiitake, são particularmente ricos em cálcio, fósforo, ferro e betaglucana, substância capaz de reduzir o colesterol e prevenir o câncer. O shiitake é especialmente poderoso: diversos estudos comprovaram sua eficiência no combate ao avanço de tumores. Já a soja, matéria-prima de produtos como o shoyu, o tofu, o missô (pasta de soja fermentada) e o natô (grãos de soja fermentados), fornece probióticos, fundamentais para o bom funcionamento do intestino.

Isso tudo levando-se em conta o fato de que quase não se consome gordura no Japão – o que explica, em parte, por que o índice de obesidade na população atual do país é de 3% (nos Estados Unidos, a taxa é de 33%, e no Brasil, de quase 20%). A culinária japonesa, aliás, pode se orgulhar de ser uma das poucas no mundo a não utilizar nenhum tipo de gordura para cozinhar. A base de quase tudo é o dashi, caldo produzido a partir de algas marinhas e peixe seco. O açúcar também é raro, e as frituras, mais ainda: elas praticamente se restringem ao tempurá, aliás, uma contribuição portuguesa. Quase toda a comida no Japão é feita no vapor, fervida ou grelhada. O vapor, inclusive, reduz a perda de substâncias benéficas à saúde – o que não ocorre quando os ingredientes são cozidos na água, onde normalmente boa parte dos nutrientes é desperdiçada. 


O índice de obesidade na população japonesa é de 3%. No Brasil é de quase 20%


Mas o que se come por ali não explica tudo. Como se come é que faz toda a diferença. Comer, no Japão, é sobretudo um exercício de contemplação: todos os sentidos são estimulados desde a chegada do prato à mesa, a começar pela visão – não é por acaso que os pratos japoneses têm tanta beleza plástica. O que resulta disso é um estado de atenção maior em relação à comida, quase como uma meditação. Em seu modo tradicional, o jeito japonês de comer é lento e reverente, apreciando calmamente o cheiro, a textura e o sabor de cada alimento, o que favorece a digestão e a absorção dos nutrientes. 

Os japoneses também não gostam de se empanturrar, e existe até um termo para isso: hara hachi bun me, que pode ser traduzido por “coma até estar 80% satisfeito”. É sabido que o sinal de saciedade enviado pelo estômago ao cérebro não é imediato; ou seja, não é preciso chegar aos 100% de satisfação para saber que as necessidades fisiológicas foram atendidas. Há que se deixar espaço e tempo suficientes para que o estômago faça a digestão correta dos alimentos. Uma forma encontrada no Japão para não se exceder é o obentô, um tipo de marmita na qual a comida vem acomodada em compartimentos, onde as porções são limitadas. O hashi – o par de varetas usado como talher – também evita que se leve volumes muito grandes à boca. Um ditado seguido à risca pelos japoneses é “coma como uma garça azul”. Ou seja, beliscando o alimento como uma ave de bico fino. 

O SABOR DO JAPÃO NO HOSPITAL SANTA CRUZ

Nos últimos dois anos, a cozinha do Hospital Santa Cruz teve uma presença muito especial: uma nutricionista do Japão, enviada exclusivamente para ajudar a equipe a aperfeiçoar as receitas japonesas da Instituição – todo paciente, oriental ou não, tem a opção de escolher um cardápio só de pratos da culinária japonesa durante sua estadia. Sua vinda foi possibilitada por um programa do governo japonês, promovido por meio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). Graças a ela, itens como udon, somen e missoshiru recuperaram seu autêntico sabor. “Comida que alimenta a alma”, como define Solange Leal Garcia, supervisora do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital Santa Cruz. Agora, é Solange quem vai ao Japão em busca de aperfeiçoamento: junto a outras cinco nutricionistas de hospitais nikkei do Brasil, ela passará um mês na Universidade de Kyushu, também com apoio da Jica, aprimorando técnicas de preparo e acompanhando de perto o dia a dia alimentar e cultural dos japoneses. “Vou ampliar meus horizontes em relação à culinária oriental e então trazer esse conhecimento para o Brasil e adaptá-lo à realidade local, mas sem perder de vista as propriedades nutricionais e o sabor original de cada prato”, explica Solange. Para os pacientes, o que já era bom ficará ainda melhor.  

Receita de udon (para 4 pessoas)

  • 1 pacote de udon 500 g
  • 1 envelope de hondashi
  • ½ peça de kamaboko (fatiar)
  • 50 ml saquê mirin
  • 50 ml saquê kirin
  • 1 colher (sopa) de açúcar
  • ½ colher (café) de sal
  • 200 g cenoura
  • 200 g vagem
  • 50 g alga wakame
  • 4 talos finos de cebolinha
  1. Cozinhar o udon por 5 minutos e, após esse tempo, resfriar em água gelada, para bloquear o cozimento e drenar a água. Porcionar nos recipientes em que serão servidos e reservar.
  2. Hidratar a alga wakame por 10 minutos, drenar a água e reservar.
  3. Fatiar o kamaboko, a vagem e a cenoura, que serão utilizados no momento final da montagem dos pratos. A cenoura e a vagem recebem cozimento rápido e devem ser resfriadas em água gelada após esse cozimento (para manter a cor e a textura).
  4. Para o caldo: colocar em um recipiente o hondashi, o shoyu, os saquês, o açúcar e o sal. Acrescentar 800 ml de água fervente. Não colocar este caldo para ferver.

Montagem dos pratos:

Distribua o caldo nos recipientes com o udon e decore com kamaboko fatiado, cenoura, vagem, alga wakame e, para finalizar, a cebolinha em corte bem fino.

Servir imediatamente.

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