O urologista do Hospital Santa Cruz Dr. Eduardo Muracca Yoshinaga fala sobre as causas e as formas de prevenir o cálculo renal
Junto com a infecção na urina, a formação de pedras no rim (também conhecida como litíase) é a doença do trato urinário de maior incidência entre a população brasileira. Era mais comum nos homens, mas está aumentando entre as mulheres, devido às mudanças no estilo de vida provocadas especialmente pelo acesso ao mercado de trabalho. É o que diz o Dr. Eduardo Muracca Yoshinaga (CRM 120259), urologista formado pela Universidade de São Paulo e membro do corpo clínico do Hospital Santa Cruz. Nesta entrevista, ele nos conta quais são os principais fatores que levam à formação dos cálculos, recomenda maneiras de prevenir e desfaz alguns mitos – como a relação entre pedras no rim e consumo de laticínios.
Qual é a doença do trato urinário mais comum hoje entre os brasileiros?
Do ponto de vista da manifestação clínica, eu diria que é a infecção na urina. Sobretudo entre as mulheres. A maioria das mulheres apresenta pelo menos um episódio ao longo da vida. Isso acontece porque, nelas, a distância entre a bexiga e o meio externo, que é cheio de bactérias, é mais curta. A uretra feminina mede apenas 3 ou 4 centímetros – isso aumenta a chance das bactérias subirem pelo canal e atingirem a bexiga, principalmente durante a relação sexual. Mas nem todas, é claro, vão desenvolver infecção: depende da predisposição genética e de como estiver a imunidade dentro da bexiga. Algumas mulheres, quando submetidas a situações de estresse ou falta de repouso, apresentam uma queda na imunidade, o que aumenta a incidência de infecções. Praticar o hábito de urinar após a relação sexual é uma medida útil para evitar a infecção urinária em mulheres.
E nos homens, o que é mais habitual?
Depende de qual critério usamos. Se formos medir a prevalência na população como um todo, sem dúvida é a hiperplasia prostática benigna, que é o aumento da próstata que ocorre naturalmente com o avanço da idade. Em termos clínicos, ou seja, pensando naqueles pacientes que chegam ao pronto atendimento relatando forte dor, a campeã é a litíase – ou pedra no rim, como é mais conhecida. Quando o homem chega ao hospital rolando de dor, é quase certo que haja um cálculo renal obstruindo o ureter, que é o canal que liga o rim à bexiga. A pedra no rim quase não causa sintomas, o problema é quando ela migra para a bexiga e entope o ureter, provocando a chamada cólica renal. É, certamente, uma das piores dores que o ser humano pode sentir.
A pedra no rim afeta mais os homens?
Um pouquinho mais, mas isso tem mudado nas últimas décadas. A presença cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho tem as levado a se alimentar de maneira menos saudável. Associado ao estresse, isso tem contribuído para o aumento da incidência de litíase na população feminina.
De que modo a alimentação impacta na formação de pedras no rim?
A má alimentação e o sedentarismo são fatores que contribuem diretamente para a obesidade, que, por sua vez, está claramente relacionada à presença de litíase renal. Como exemplo de má alimentação podemos citar a ingestão excessiva de sódio, presente em abundância na maioria dos alimentos industrializados. O rim tem a função de eliminar do organismo aquilo que está em excesso no sangue ou as excretas produzidas pelo metabolismo. Se você ingerir mais sal que o habitual, seu organismo precisará descartar o excesso de sódio. E a forma de fazer isso é por meio da urina. Vou te dar um exemplo: se você comer um churrasco, nesse dia você terá mais sede. Você vai ficar desidratado, pois precisará de mais água para retirar o sódio que acumulou nos rins. E como você faz isso? Junto com a urina.
Beber bastante água, então, seria uma forma de evitar o cálculo renal?
Com certeza. Normalmente a urina contém inúmeras substâncias que potencialmente podem produzir uma pedra, mas se essas substâncias estiverem bem diluídas em água, isso não ocorrerá. Imagine que, se você apenas borrifar um pouco de água no cimento, ele vai formar uma pedra., mas não se diluir esse cimento em muita água. Uma pessoa que vive constantemente hidratada diminui a chance dos cristais urinários se juntarem uns aos outros e formarem uma pedra, ao passo que outra que bebe pouca água corre mais risco de ver esses cristais grudarem entre si e isso gerar uma reação em cascata, que no fim produzirá a pedra.
Do que é feito um cálculo renal?
Ele tem várias composições, mas o elemento mais comum é o cálcio. É ele que favorece a formação dos cristais urinários no rim, geralmente na forma de oxalato de cálcio e fosfato de cálcio.
Deve-se evitar, então, o consumo de leite e derivados, que são ricos em cálcio?
Não, não. Antigamente, era comum que se recomendasse ao paciente que parasse de comer queijo ou tomar leite. Hoje, sabemos que isso pode até aumentar a formação de pedras, pois aumenta a oferta de oxalato no organismo. Se você consumir alimentos ricos em cálcio, como laticínios, o oxalato se juntará a esse cálcio no intestino e ambos sairão nas fezes. Se você tirar o cálcio da sua dieta, a absorção de oxalato livre aumentará no intestino, que então irá para o sangue e dali para o rim. A restrição de cálcio deve ser empregada apenas em casos específicos, não como regra. Não existe uma fórmula única para evitar pedras em todos os pacientes. O que fazemos hoje é um estudo do metabolismo da pessoa, e com isso podemos encontrar a causa que contribui para a formação das pedras. E, para cada causa, há um tratamento específico, seja medicamentoso ou com mudança da dieta.
Qual é o tratamento mais indicado para a retirada do cálculo renal?
Hoje o tratamento mais usado é o endoscópico. Não se faz nenhum corte, nenhuma incisão no paciente: é utilizado um orifício natural, que é a uretra. Por este canal, conseguimos acessar a pedra onde ela estiver – seja na bexiga, no ureter ou no rim – e, então, realizamos a fragmentação do cálculo com um aparelho chamado Holmium Laser. A maioria dos aparelhos de laser hoje no Brasil tem potência de 30 watts, que consegue quebrar a pedra em vários fragmentos. Mas depois é necessário usar outro material para retirar esses pedaços. Existem aparelhos mais potentes, como, por exemplo, o de 100 watts, que quebra os cálculos de forma mais eficiente, em fragmentos muito menores que saem junto com a urina. Além disso, esse aparelho permite que se faça uma cirurgia de hiperplasia prostática benigna de forma endoscópica, ou seja, pela uretra, de maneira menos invasiva.
E depois de retirar a pedra, como fazer para evitar que surja de novo?
Hoje a medicina permite uma investigação mais a fundo da causa da litíase, e, por isso, é importante o acompanhamento com um médico urologista após o tratamento da pedra em si. É o que nós chamamos de avaliação metabólica: a gente vai tentar descobrir os fatores genéticos e comportamentais, como a dieta, que levaram à formação daquele cálculo. Não basta tirar a pedra, é preciso ver o todo. Isso ajuda a evitar a recorrência dos cálculos renais.
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